Admissibilidade e Procedimentos Investigativos
A admissibilidade é uma atividade desenvolvida preferencialmente pela unidade de correição do órgão ou entidade do Poder Executivo Federal a partir do recebimento da denúncia, representação ou comunicação de suposto ilícito funcional ou de suposto ato lesivo cometido por pessoa jurídica contra a Administração Pública (denúncias, representações etc.) com o objetivo de subsidiar a decisão da autoridade competente para a instauração do procedimento correcional acusatório porventura cabível.
A admissibilidade compreende a análise inicial da comunicação de irregularidade, a obtenção de outros elementos de prova, diretamente pela unidade correcional ou por intermédio de procedimentos investigativos, emissão de relatórios, notas técnicas e decisão administrativa denominada “juízo de admissibilidade”, contemplando as providências que serão adotadas pela área correcional do órgão/entidade para o adequado tratamento da matéria.
Durante a admissibilidade busca-se reunir e indicar os elementos suficientes de autoria e de materialidade da suposta infração legal cometida por servidor/empregado público ou ente privado.
Contudo, fica dispensada a coleta de novos elementos caso a denúncia/representação já contenha os elementos de informação suficientes a justificar a instauração de um processo acusatório, ou a propositura de um acordo ao servidor/empregado, celebrado mediante Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, ou, ainda, o arquivamento motivado da comunicação inepta (sem conteúdo mínimo que permita a continuidade da apuração) ou não sujeita à atuação correcional.
A admissibilidade, enquanto atividade imprescindível para a análise, instrução e decisão sobre a comunicação de irregularidade em âmbito correcional do Poder Executivo Federal vai ao encontro do dever de apurar imposto à Administração Pública, com prudência, eficiência e economicidade, observando-se as disposições legais e regulamentares vigentes, tais como as previsões da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, dentre os quais a instauração de procedimentos punitivos abusivos (sem elementos de prova de autoria e de materialidade), bem como a Instrução Normativa CGU nº 14, de 14 de novembro de 2018, que regulamenta a atividade correcional no Sistema de Correição do Poder Executivo Federal – SisCor, e a Instrução Normativa CGU nº 4, de 21 de fevereiro de 2020, que traz as orientações para a celebração do TAC no âmbito dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal.
2.Quais os procedimentos utilizados na fase de admissibilidade?
Ao receber uma comunicação de possível ilícito funcional ou ato lesivo cometido por pessoa jurídica contra a Administração Pública, cabe à unidade correcional realizar uma análise inicial, com a finalidade de verificar a plausibilidade da irregularidade noticiada.
Em caso positivo, a coleta de elementos de informação ou evidências complementares, relativos à materialidade e à autoria da suposta infração, poderá ser feita de ofício pela própria unidade correcional ou por meio de procedimentos investigativos, tais como a Investigação Preliminar Sumária (IPS), a Sindicância Investigativa (SINVE), a Sindicância Patrimonial (SINPA) e a Investigação Preliminar (IP), regulamentados nas Instruções Normativas CGU nº 14, de 14 de novembro de 2018, e nº 8, de 19 de março de 2020.
Por se tratar de procedimentos inquisitoriais ou meramente investigativos, não poderão resultar na aplicação de penalidade, e, consequentemente, não se faz necessária a observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Os elementos de informação reunidos em sede de admissibilidade podem ser aproveitados pela eventual comissão de processo acusatório decorrente, desde que submetidos ao contraditório e à ampla defesa do acusado, tornando-se provas acerca da autoria e materialidade.
O mínimo para dar início a ações de natureza correcional é o recebimento da comunicação da ocorrência de uma irregularidade (materialidade) no órgão/entidade do Poder Executivo Federal, inclusive anônima, desde que possibilite o aprofundamento da investigação.
Quando a denúncia ou representação não contiver os indícios mínimos que possibilitem sua apuração (cf. Art. 10, §2º da IN CGU nº 14/2018), quando o fato narrado não configurar infração disciplinar (cf. Art. 144, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90), ou, ainda, quando ocorrer a prescrição antes da instauração do procedimento correcional acusatório (cf. Art. 10, §3º da IN CGU nº 14/2018).
Nos termos do art. 2º da Instrução Normativa CGU nº 8, de 19 de março de 2020, a Investigação Preliminar Sumária (IPS) é um procedimento de caráter preparatório, informal e de acesso restrito que tem por objetivo a coleta de elementos de informação para a análise acerca da existência dos elementos de autoria e materialidade relevantes para a instauração de processo administrativo disciplinar acusatório, processo administrativo sancionador ou processo administrativo de responsabilização.
Dessa forma, no âmbito da IPS serão apurados os supostos atos lesivos cometidos por pessoa jurídica contra a Administração Pública e as possíveis infrações disciplinares de servidores e empregados públicos.
Por se tratar de caráter preparatório, seu objetivo é possibilitar a emissão de juízo de valor sobre o cabimento da instauração do processo acusatório.
É um procedimento cuja instauração poderá ocorrer mediante simples despacho da autoridade competente, sendo dispensada a publicação em boletim interno ou no Diário Oficial da União.
Seu acesso é restrito até a decisão de arquivamento da comunicação de irregularidade ou o julgamento do processo acusatório decorrente, nos termos do § 3º do art. 7º da Lei nº 12.527/2011.
A IPS pode ser conduzida diretamente pela unidade de correição e os atos instrutórios podem ser praticados por um ou mais servidores/empregados, a critério da autoridade instauradora, possibilitando que cada ato seja praticado por servidor mais capacitado na matéria. Não há exigência de estabilidade para o servidor atuar em IPS, sendo permitida a atuação do servidor em estágio probatório.
Os atos instrutórios da IPS se dividem em:
- exame inicial das informações e provas existentes;
- coleta de evidências e informações necessárias para averiguação da procedência da notícia; e
- manifestação conclusiva e fundamentada, indicando a necessidade de instauração do processo acusatório, de celebração de TAC ou de arquivamento da notícia.
O prazo para conclusão dos trabalhos na IPS é de até 180 dias, conforme art. 5º da Instrução Normativa CGU nº 8, de 19 de março de 2020. Contudo, a prorrogação do prazo para a conclusão da IPS é possível, desde que devidamente justificada.
A ideia é que para casos mais simples, que impliquem em aplicação de advertência, a IPS seja mais célere. O prazo de 180 (cento e oitenta) dias deve ser utilizado para as situações mais graves e complexas.
De acordo com o art. 6º da IN CGU nº 8/2020 ao final da IPS o responsável pela condução deverá recomendar o arquivamento, caso ausentes indícios de autoria e prova da materialidade da infração, não sejam aplicáveis penalidades administrativas ou quando houver necessidade de aguardar a obtenção de informações ou realização de diligências necessárias ao desfecho da apuração.
De acordo com o art. 19 da Instrução Normativa nº 14, de 14 de novembro de 2018, a Sindicância Investigativa (SINVE) é um procedimento de caráter preparatório que objetiva investigar a falta disciplinar praticada por servidor ou empregado público federal, quando a complexidade ou os indícios de autoria ou materialidade não justificarem a instauração imediata de procedimento disciplinar acusatório.
O prazo para a conclusão da SINVE não excederá 60 (sessenta) dias e poderá ser prorrogado por igual período. A comissão de SINVE poderá ser reconduzida após o encerramento de seu prazo de prorrogação, quando necessário à conclusão dos trabalhos, devendo ser observado o prazo prescricional de eventual sanção a ser aplicada.
O relatório final da SINVE deverá ser conclusivo quanto à existência ou não de indícios de autoria e materialidade de infração disciplinar, devendo recomendar a instauração do procedimento disciplinar cabível ou o arquivamento, conforme o caso.
A SINVE pode ser conduzida por um único servidor efetivo ou por comissão composta por dois ou mais servidores efetivos, não se exigindo a estabilidade.
No caso de ser designado mais de um servidor, o ato instaurador deve atribuir a presidência da comissão a um deles.
Nas entidades cujos quadros funcionais não sejam formados por servidores estatutários, a SINVE poderá ser conduzida por empregado público ou por comissão composta por dois ou mais empregados públicos.
A Sindicância Investigativa – SINVE não se confunde com a Sindicância Acusatória – SINAC. A SINVE possui caráter preliminar e inquisito e não resulta em penalidade ao investigado. Já a SINAC possibilita o exercício do contraditório e da ampla defesa ao acusado, logo, constitui instrumento hábil para a aplicação de advertência ou suspensão até 30 (trinta) dias.
A Sindicância Patrimonial (SINPA) consiste em procedimento administrativo, sigiloso e não punitivo, destinado a investigar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agentes públicos federais, inclusive evolução patrimonial incompatível com os seus recursos e disponibilidades por eles informados na sua declaração patrimonial.
A SINPA é instaurada e conduzida nos termos do Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, e das normas complementares necessárias ao cumprimento deste decreto.
O prazo para a conclusão da SINPA é de até 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período pela autoridade instauradora.
Após a conclusão da apuração no âmbito da sindicância patrimonial, será elaborado relatório conclusivo sobre os fatos apurados, que deverá conter recomendação à autoridade instauradora:
I – pelo arquivamento dos autos; ou
II – pela instauração de processo administrativo disciplinar, caso tenham sido identificados indícios de autoria e de materialidade de enriquecimento ilícito por parte do agente público federal investigado.
Nos procedimentos correcionais investigativos podem ser utilizados quaisquer meios probatórios admitidos em lei, tais como, prova documental, inclusive emprestada, manifestação técnica, tomada de depoimentos e diligências necessárias à elucidação dos fatos. Ademais, é permitido o acesso e o monitoramento de instrumentos de trabalho disponibilizados pela Administração ao servidor ou empregado público (computador, dados de sistemas, correio eletrônico, agenda de compromissos, mobiliário e registro de ligações).
Sendo necessário, também poderá ser solicitado o acesso às informações fiscais de investigado, ficando o órgão solicitante obrigado a preservar o sigilo fiscal das informações recebidas.
Essa solicitação deve ser expedida pela autoridade instauradora (ou aquela que tenha competência nos termos de regulamentação interna) à Secretaria da Receita Federal do Brasil, acompanhada dos elementos comprobatórios para o atendimento do previsto no art. 198, §1º, inciso II, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).
A unidade correcional pode adotar outras providências em complementação ao trabalho realizado nos procedimentos investigativos, tais como buscar a quebra de sigilo bancário e a elaboração de perícia, caso entenda como pertinentes para indicar a autoria e a materialidade da possível infração. Contudo, deve a unidade correcional atentar-se ao prazo de instauração de processo acusatório, apto à responsabilização do infrator.
A quebra do sigilo telefônico somente pode ser realizada para fins de investigação criminal ou instrução de processo criminal. Nesse sentido, tais informações apenas virão para o PAD em caso de solicitação de prova emprestada ao juízo criminal competente.
Na fase de admissibilidade poderão ser tomados depoimentos necessários à elucidação dos fatos (cf. art. 12 da IN CGU nº 14/2018). A testemunha é obrigada a depor, sendo ou não servidor/empregado público, assume o compromisso de dizer a verdade. O servidor deve depor em razão de seu dever funcional de lealdade (cf. art. 116, II, Lei nº 8.112/90) e o particular tem o dever perante a Administração de prestar as informações que lhe forem solicitadas e de colaborar para o esclarecimento dos fatos (cf. art. 4º, inciso IV, da Lei nº 9.784/99).
As testemunhas serão ouvidas caso a prova seja útil e necessária ao deslinde da questão sob apuração. Se as provas constantes nos autos são robustas o suficiente para entender que o depoimento em nada acrescentará ao processo, é possível denegar a produção da prova.
A oitiva do suposto autor da irregularidade durante a fase de admissibilidade será desnecessária quando existentes ou providenciados os elementos de informação suficientes da autoria e materialidade da possível infração.
Nos procedimentos investigativos não há definição de ordem para a realização das oitivas de testemunhas, tampouco observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido, não há necessidade de intimação do investigado para o acompanhamento de oitivas de testemunhas.
O depoimento do investigado na fase de admissibilidade não é recomendado quando existentes ou alcançáveis por outros meios os elementos de autoria e de materialidade suficientes para subsidiar a decisão da autoridade instauradora. O investigado deve ser informado de sua condição e de seu direito de não produzir provas contra si, caso seja necessário o seu depoimento.
O denunciante pode ser chamado para auxiliar a unidade correcional na apuração do fato supostamente irregular. Na condição de particular, o denunciante tem o dever perante a Administração de prestar as informações que lhe forem solicitadas e de colaborar para o esclarecimento dos fatos (cf. art. 4º, inciso IV, da Lei nº 9.784/99).
A admissibilidade poderá anexada, por cópia, ou apensada ao processo acusatório, servindo como elemento de informação na apuração dos fatos.